Descrição
Florarvore no jardim da solidão
Flavia Drummond Naves
Desenhos: Julia Panadés
Belo Horizonte, 2014, 104p.
Poemas
“Algumas palavras nos chegam assim. Trazidas um dia, por uma das inumeráveis surpresas da vida. Recolhidas de um jardim distante, coberto de terra, musgos, raízes tecidas como colcha de renda cada vez mais rara, lembranças esquecidas no grão da folha em desalinho, essas palavras nos chegam como verbo intransitivo anunciando um canto de solidão. Na queda do acento: Florarvore. Sim. Torna-se florárvore. Florarvore-se. Flora em estado de grão, tronco que guarda cada uma das linhas em desatino, o som mudo dos cômodos, o segredo de um nome adormecido na mulher. Árvore, flor, mulher. Três estados vegetais. Seria preciso conhecê-los. Esse estado. Para fazer dele um corpo só de poesia.
A mulher dá mais um passo. É larga a travessia. É estreito o caminho. A língua desdobra-se no pedaço obscuro de um amor que se fragmentou, na transpiração de um gozo úmido que amanhece escrito, no jasmim orvalhado de saudade. Florarvore. Será preciso descer mais um pouco. Tocar o chão. Recolher dos galhos mais altos o conhecimento vegetal, o gosto do barro, a clorofila – “primeira matéria do poema”. Ela desce. Transpõe o limiar. Toca o barro e costura, com letras mareadas, o nome e seu avesso, as águas, os veios, três mil raízes e uma única réstia de luz. A árvore lhe esculpe os olhos. O barro lhe desenha o corpo e toma a forma que ela quer, “sem que ela saiba estar fazendo apenas o que o barro quer”.
A mulher dá mais um passo. Alarga o caminho. Tem a arte de jardinar.
Veja, “respira como árvore”. A “ouço ofegar como um rumorejo de folhas”.
Reconheço um nome esculpido na trama do vegetal lenhoso.
Algumas palavras nos chegam assim: saídas do barro, secam imediatamente.
Seu corpo vegetal nos aterra.
Enquanto ela, Flávia, florarvora no jardim da solidão.
Um corpo todo de árvore me fiz.” – Janaina de Paula
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